quarta-feira, 30 de julho de 2008

Revisitando infâncias









Pela mão delicada e esclarecedora do meu pai percorri todo o país há muitos, muitos anos. Hoje, tendo passado ao seu neto o testemunho cúmplice e o gosto das deambulações , regresso docemente a algumas infâncias não totalmente perdidas, reconhecendo-me em casas e praças, em santuários e tradições. Como aquela, obrigatória e algo inquietante, de tirar uma foto montada num cavalinho a fingir.
Que bem sabe iluminar os corredores da memória!

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Árvore sobre varão em cidade única

Abraço ou sobrevivência? Abraço de sobrevivência? Um varão pode ser sobrevivência?

Ou apenas um pormenor algo inquietante numa rua da cidade das surpresas...

terça-feira, 22 de julho de 2008

Verão maduro











O Silêncio




Dai-me outro verão nem que seja
de rastos, um verão
onde sinta o rastejar
do silêncio,
a secura do silêncio,
a lâmina acerada do silêncio.
Dai-me outro verão nem que fique
à mercê da sede.
Para mais uma canção.


(Eugénio de Andrade, in Rente ao Dizer)

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Posto de vigilância

Não ralhes comigo, Donaminha, não vês como fico triste e cabisbaixo e envergonhado e...tudo!

Prometo que não vou fazer um único risco na tua escrevaninha de estimação! Olha, até já estou a cortar as unhas.
Uff, foi-se embora! Como ela confia em mim! Mas claro que vou continuar aqui em cima, de onde vejo a porta. Imaginem que entrava um cão e eu não dava por nada, só para não riscar este traste velho!
Vá lá um gato perceber as importâncias humanas...

terça-feira, 15 de julho de 2008

Arquitecturas





Não sei qual mais admirável: se a obra d'arte que saiu da imaginação do homem, se o abrigo-lar que o instinto animal construiu, se o monumento que a sabedoria da natureza edificou.
Qualquer destas arquitecturas me seduz, emociona e silencia.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Era apenas um desconhecido(ou recordando Robert Walser)



Presumivelmente teria sido um crime. Mas ninguém o pudera provar.

Naqueles dias tudo girou à volta do corpo desconhecido, que um grupo de crianças, num sobressalto imediatamente transmitido a toda a aldeia, descobrira na margem da lagoa parada e carregada de silêncios, não longe da capela em ruínas, cuja rosácea gótica, onde apenas restavam alguns vitrais partidos, ainda acenava gestos antigos de fulgor colorido.

Era ali que as crianças iam brincar, diariamente ao cair da tarde, à volta da quietude da lagoa. Utilizavam também a velha capela como palco onde recriavam, em fértil imaginação, festas e cerimónias de antigamente, e muitas vezes atreviam-se até ao hospício, em cujos muros esmaecidos de humidade e de anos mal se notavam vestígios da cal que outrora os embranquecera. Nas janelas desse mítico edifício reverberavam os raios do sol ao crepúsculo, devolvendo-os plenos de vida e recriando um ambiente intemporal e mágico. De inverno nevava, tornando o local propício a jogos infantis e a algumas tragédias.

Era um corpo de homem velho, e isso podia afirmar-se, disseram as crianças mais tarde, pelo rosto enrugado mas sereno; o resto, coberto pela água da lagoa de onde apenas começara a emergir um cotovelo nu, adivinhava-se preso à margem pela teia das inúmeras raízes das árvores que povoavam o rebordo das águas.

As autoridades sentiram obrigação de fazer uma desinteressada e ligeira investigação no local, tentando vasculhar por umas horas aqui e ali na escuridão instalada, utilizando um método algo desarticulado que não conduziu a qualquer conclusão, salvo às hipóteses remotas de se tratar de uma inesperada errância pela loucura, um apelo de caminhos insondáveis ou um acto de solidão inominável da parte do desconhecido, e que o teria levado a arriscar tudo. Nada ficou provado.
Porque ao voltarem ao local do macabro achado, à chegada dos primeiros sinais da manhã, o corpo tinha desaparecido. Arrastado pelos limos - ou por inesperadas forças subterrâneas - para o fundo, para o lodo, para a solidão absoluta. O assunto foi, pouco a pouco, sendo esquecido. Afinal, era apenas um desconhecido.
(jogo das 12 palavras, in Eremitério)

terça-feira, 8 de julho de 2008

Equilíbrio (im) possível

Algarve metodicamente maltratado, possuído com ganância e destruído com frieza, até o mar ser obrigado a encolher-se ao fundo, expulso e envergonhado. Algarve cansado, obeso de carros e de construções, obeso de gente obesa.


Como contraponto à ruptura dos locais e em movimentos de sobrevivência, as aves humanizam-se: os pardais em intimidade descarada exigem-nos algumas migalhas, as gaivotas refrescam-se na piscina do condomínio e nidificam todos os anos nas mesmas açoteias. Como que a julgarem os homens e os seus erros.

Equilíbrio (im) possível.

sábado, 5 de julho de 2008

Regresso a casa




Esperava-nos no pátio. Sei lá se desde que partimos.
E recebeu-nos com miados doces e cortesias arrebatadas, dizendo-nos da alegria de nos ter por perto.
Nós, emocionados, registámos este cair de tarde azul e terno.
Que bom é voltar a casa!