quinta-feira, 27 de novembro de 2008

"Many Times" (em Serralves)







Entrei tranquila e curiosa na sala grande. Porque de longe a multidão me pareceu simpática e acolhedora, conversando e rindo em posições amigáveis.
Fui vagueando cada vez mais atónita por entre aqueles rostos impassíveis e indiferentes à minha presença, sentindo-me pouco a pouco inquieta, intrusa, isolada. Quase cercada. Como se tivesse devassado o encontro de uma sociedade secreta. Como se estivesse à beira de um perigo.
Incapaz de comunicar com aquele grupo coeso, cúmplice, poderoso e dominante, saí quase a correr, tentando não resvalar para um medo irracional.
Tal o poder das esculturas de Juan Muñoz.
(quero acreditar que outros visitantes da exposição tenham feito uma leitura diferente...)
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(Nocturno de Chopin, por Maria João Pires)

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A breve visita do meu amigo irlandês



O meu amigo irlandês veio visitar-me. Não só por saudade, disse ele, mas quase por uma questão de sobrevivência. Cansado do seu EREMITÉRIO, onde vivia num MISTICISMO de SILÊNCIO e comunhão com a natureza, precisava com urgência de um pouco da luz e da suavidade do sul para poder enfrentar um inverno que se adivinhava feroz, pois mal começara já enfeitava todas as noites os beirais com longos SINCELOS, que pela manhã brilhavam como brincos de cristal. O sol e a luz do sul, sublinhava, seriam um UNGUENTO apaziguador para as suas MÃOS doridas, para o corpo envelhecido e para a alma cheia de nódoas negras.

E (continuando a esclarecer-me com gravidade e graça) para que a terapêutica fosse completa, precisava também dos cheiros que no norte lhe faltavam: o cheiro do PÃO quente, o odor da lenha a queimar devagar, a PRECIOSIDADE perfumada de um campo de urze e alfazema coberto por nevoeiros leves.
“There is an INFINITUDE of reasons for one to be happy in your country…”.

Teria sido ALEIVOSIA minha não lhe aceitar a infinidade de razões. Embora, conhecendo bem a sua fina ironia, eu vacilasse entre a COMISERAÇÃO pela sua possível fragilidade física e a quase certeza de que se tratava de efabulação sua por motivos indecifráveis. Na dúvida, e sorrindo, limitei-me a URDIR à sua volta um casulo de ternura e amizade, e a recebê-lo de braços abertos.
Por cá ficou vários anos…
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(8º jogo das 12 palavras)
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My Ideal, Coleman Hawkins

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

A cidade branca





(...)
"outra vez te revejo,
com o coração mais longínquo, a alma menos minha.
Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo -,
transeunte inútil de ti e de mim,
estrangeiro aqui como em toda a parte,
casual na vida como na alma,
Fantasma a errar em salas de recordações,
ao ruído dos ratos e das tábuas que rangem
no castelo maldito de ter que viver..."
(...)
Álvaro de Campos,Lisbon revisited (1926)(excerto)
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Carlos Paredes, Verdes Anos

domingo, 16 de novembro de 2008

Ontem, Na Festa da Poesia

Pedras

As vetustas pedras da noite
te dirão
da decepção
das andorinhas
ao perceberem as casas sem beiral.

Não chores.
Suspende apenas
um pequenino susto
na mais alta ramada
do caminho.

E observa
as poderosas colunas
amparando ruínas.

Licínia Quitério, De Pé Sobre o Silêncio

(foi bonita a festa, amiga)

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Eine kleine Nachtmusik, Mozart

domingo, 9 de novembro de 2008

Sem título




Anda agora boiando na lagoa
o cadáver da flor que eu não tocara
se não fora o desejo irreprimível
de ver uma flor morta sobre as águas...
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Sebastião da Gama, Cabo da Boa Esperança

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Sonata "Patética"-Rondo-Allegro (Beethoven)

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Chega de saudade

Mas que é aquilo ali no post em baixo? Donaminha, tu deixaste entrar aquela espécie de felino no meu blog? O animal está desmazelado, não se penteia há meses, sei lá até se tem pulgas...

Não pode ser, donaminha, não posso admitir um post-hippy aqui dentro! É claro que não são ciúmes, que ideia a tua! É só pelos meus fãs! Não vês que eles estão incomodados, balhamedeus! Trata já disso, eu só saio daqui quando ele for embora.
O quê, parecido com o gato da tua mãe? (mas que raio de gosto o da senhora...) E tiveste saudades?? Oh diabo! Bom, sendo assim...enfim, está bem, que fique! Mas só desta vez sem exemplo. Chega de saudade (para quê saudades daquele, se ela me tem aqui ao pé?)
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My old flame - Gerry Mulligan Quartet