segunda-feira, 30 de março de 2009

Lugares da Memória - III - Foz

Começa-se por terra, percorrendo com o olhar a corda gasta que nos ata ao tempo

Pelo caminho encontra-se o presente insólito, e sem querer atribuímos à pedra um sentimento, um desejo. Ao fundo, o passado intacto.

Sempre deslumbrados, os olhos alargam-se até ao horizonte, onde nem uma onda parece enrugar a superfície perfeita e azul.

Por fim, apaziguadas as saudades, vê-se o dia partir, sem ruído.
Fica a memória.
.
It's easy to remember, John Coltrane Quartet

sexta-feira, 27 de março de 2009

Lugares da Memória - II - Caldas

É muito mais que um espaço físico: é um ambiente, uma saudade, um labirinto de encontrar rumos, uma porta de partir em voos.
Onde gente, gatos e livros se misturam num tempo circular e sedutor.
.

It's easy to remember, John Coltrane Quartet

segunda-feira, 23 de março de 2009

Lugares da Memória - I - Caldas

Os pavilhões eram maiores, mais imponentes e muito, muito misteriosos. A pequenez do tempo devolveu-lhes a dimensão real...

...mas a ternura mantém-se intacta, eternizada no gesto.

Lembranças de passeios antigos intensificam a teia de emoções, em vertigem de cor e odor.

Apenas resta um jardim a cheirar a abandono e uma casa marcada pelos sulcos do tempo. Mas nos corredores da memória ainda se ouvem risos de criança.
Tudo em tons de passado.
.
It's easy to remember, John Coltrane Quartet

sábado, 21 de março de 2009

Spring is here



A pequena e frágil planta enfrentou o inverno com a determinação de uma árvore. Com a chegada do equinócio, o silêncio de meses explodiu em grito de cor e exuberância, como uma expectativa que de repente se cumpre.
A natureza a redimir-se.
.
Spring is here, Bill Evans Trio

segunda-feira, 16 de março de 2009

Amargo estilo novo




Tudo é fácil quando se está brincando com as flores entre os dedos,

quando se olham nos olhos as crianças,

quando se visita no leito o amor convalescente.

É bom ser flor, criança, ou ser doente.

Tudo são terras donde brotam esperanças,

pétalas, tranças,

a porta do hospital aberta à nossa frente.


Desde que nasci que todos me enganam,

em casa, na rua, na escola, no emprego, na igreja, no quartel,

com fogos de artifício e fatias de pão besuntadas com mel.

E o mais grave é que não me enganam com erros nem com falsidades

mas com profundas, autênticas verdades.


E é tudo tão simples quando se rola a flor entre os dedos!

Os estadistas não sabem,

mas nós, os das flores, para quem os caminhos do sonho não guardam segredos,

sabemos isso e todas as coisas mais que nos livros não cabem.


.
António Gedeão,in Linhas de Força, 1967

.
(vou ali e já venho - boa semana)
.
Spring is here, Bill Evans Trio

sexta-feira, 13 de março de 2009

Monólogo com dúvidas

Dooonaminhaaaa, anda cá depressa!! Esta árvores está a cair! Anda ajudar-me!

Onde andará ela, que não aparece?? Sozinho não posso...o melhor é abrigar-me! Aqui estou em segurança...

Até tenho medo de olhar! Será que já caiu?? Mas ainda não ouvi nenhum barulho...

Vou olhar... Oh, afinal não caiu! Não percebo nada, a árvore estava a abanar tanto...
Ainda bem que a Donaminha não apareceu - sinto-me tão envergonhado! Que raio se passou comigo? Tive uma tontura? Houve um tremor de terra? Passou uma toupeira? Estarei a ficar velho?
.
My funny Valentine, Gerry Mulligan/Chet Baker

segunda-feira, 9 de março de 2009

Ecumenismo do pão




Seis mil anos de existência. Como alimento. Como símbolo, liturgia e metáfora. Universal.
A sua história, contada a adultos e a crianças, no Museu do Pão.
Que vale a pena visitar.

.
Ave verum corpus, Mozart

sexta-feira, 6 de março de 2009

Dias quase nocturnos


.
.
.
.
.
.
Uma espécie de tristeza inusitada ensopa os dias.
Adia a coragem. E o labirinto quotidiano torna-se
mais sombrio e enigmático.

Para quando o horizonte claro?






.
.
.
.
.
.
Nocturno Les Plaintives, Chopin (Maria João Pires)

segunda-feira, 2 de março de 2009

Voltaram, as fadas!







Vieram de novo este ano. As fadas.
Fizeram o seu trabalho e partiram, tímidas e silenciosas, em volteio grácil por cima do primeiro raio da manhã. Apenas as vislumbrei, já longe, mas confirmei que eram as mesmas da visita do ano passado.
Presa às amendoeiras, como sinal de passagem, deixaram-nos ficar a suavidade dos seus vestidos de seda perfumada.
Alguém, que as conhece, me garantiu que elas vão voltar para o ano.
.
Waltz 2, D.Shostakowich