terça-feira, 26 de abril de 2011

Para que não me esqueça...









Poema à Mãe


No mais fundo de ti,
Eu sei que traí, mãe.

Tudo porque já não sou
O retrato adormecido
No fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa:
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!

Olha – queres ouvir-me? –
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;

Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;

Ainda ouço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio de um laranjal


Mas – tu sabes – a noite é enorme
E todo o meu corpo cresceu.

Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.
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(Eugénio de Andrade, Os Amantes sem dinheiro)
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(Tento não esquecer,filho. Até amanhã)

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It never entered my mind,Miles Davies

domingo, 24 de abril de 2011

SEMPRE!



(Cartaz de José Santa-Bárbara)

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Verdes Anos, Carlos Paredes












domingo, 17 de abril de 2011

Tão...


Tão sereno, tão livre e despreocupado ele era antes de ter herdado, por morte da Tia Gertrudinhas, a quinta e a mansão cheia de pratas e artes, origem dos seus actuais medos e insónias...

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(participação no passatempo PalavrapuxaPalavra) . Violin Concerto op3/6, Antonio Vivaldi

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Eu sei, mas...


Eu sei! Claro que sei que é chocolate e é para comer! Mas nunca irei ter coragem! Nem sequer de acordar o gatinho (novelinho de ternura) e os seus companheiros (fingidores irónicos), quanto mais usá-los como alimento!
Vou continuar a fazer-lhes festas até os derreter...

Obrigada, Z.

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I know, Sonny Rollins with The Modern Jazz Quartet

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Riquezas





O ambiente é sombrio, soturno, quase assustador. Passam-se portas blindadas, grades invioláveis, atrás das quais há tempos, por medo mas também há quem diga que por segurança, se guardavam riquezas privadas.

Agora as portas escancararam-se, as grades foram arredadas. O ambiente iluminou-se. E, guardadas mas à vista de todos, numa metáfora forte e generosa, está a riqueza colectiva que é urgente preservar: as sementes. Empolgada com a beleza e a pertinência da exposição, não esquecerei tão cedo quais são as verdadeiras riquezas do tempo de hoje.

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Exposição nas caves do MUDE, antigos cofres-fortes do BNU

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It's easy to remember, John Coltrane Quartet

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Poemas do Tempo Breve


O Poema não vem
O poema não vem quando se chama.
Desobediência é sua inclinação
ou seu jeito de ouvir é uma brandura
que só percebe falar de coração.
Aguardarei que a pedra,
lançada ao lago no anoitecer,
regresse reluzente à minha mão
e se diga palavra ou vento ou amanhecer.
Poemas do Tempo Breve, Licínia Quitério
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Brandenburg Concerto nº4,Andante, J.S.Bach