segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Diálogo

-Achas que ela ficou aborrecida, Mounty?
-A Donaminha? Por ontem não ter recebido prenda? Não, ela não liga nada a essas coisas. Para ela foi um dia igual aos outros! Eu é que fiquei um pouco triste, Fazdedono...
- Não vejo porquê, passámos aqui um serão agradável, os três. Tu até estiveste a noite toda ao colo dela...
- Isso foi depois do jantar. Eu esperava algo especial para o jantar de ontem - sei lá, um bocadinho de fiambre, um paté de canard...
-Mounty Mounty, tu sabes que já não podes abusar!
-Era só ontem, Fazdedono, para ser diferente...
-Mas não foi!
-Pois não, mas eu gostava que tivesse sido - bastava um pouco de paté...
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My Funny Valentine, Gerry Mulligan Quartet with Chet Baker

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Com os Holandeses

Depois, quem já viu o holandês de bicicleta desculpa-lhe todas as suas pachorras. As maravilhas de equilíbrio, as acrobacias de arrepiar, para ele aquilo é como o cavalo para o cossaco. Bebé ou quase centenário, matrona pesada, mocinha grácil, estudante cabeludo, burguês encorpado, mãe de dois filhos, juiz azedo, dama enchapelada, a nação senta-se sobre as duas rodas com um à-vontade e uma leveza que em outras ocasiões tão bem lhe ficaria, mas que então desgraçadamente lhe falta.
Quem não está habituado, eu nunca me habituarei, teme pela vida das anciãs que se esgueiram por entre o trânsito, montadas em veículos que datam da Grande Guerra, parando nos cruzamentos, ou diante de um obstáculo, com um curioso movimento em que o corpo, escorregando do selim e inclinado para trás, serve de contrapeso à velocidade e alivia o atrito dos sapatos que funcionam como travão.
Nenhuma descrição poderá dar ideia da sua virtuosidade, nem da fenomenal ligeireza com que elas se movimentam. E o que essas mulheres carregadas de anos executam no meio da rua, passaria noutras terras por um número de circo.”
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Com os Holandeses, J. Rentes de Carvalho
Ed.Quetzal, pag.145-146
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Move, Charles Mingus

domingo, 11 de dezembro de 2011

Solidariedade

Vamos, dêem as mãos.
Porquê esse ar de eterna desconfiança?
esse medo, essa raiva?
Porquê essa imensa barreira
entre o Eu e o Nós na natural conjugação do verbo ser?
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Vamos, dêem as mãos.
Para quê esses bons-dias, boas-noites,
se é um grunhido apenas e não uma saudação?
Para quê esse sorriso
se é um simples contrair de pele e nada mais?
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Vamos, dêem as mãos.
Já que a nossas amargura é a mesma amargura,
já que a miséria para nós tem as mesmas sete letras,
já que o sangrar dos nossos corpos é o vergão da mesma chicotada,
fiquemos juntos,
sejamos juntos.
Porquê esse ar de eterna desconfiança?
esse medo, essa raiva?
Vamos, dêem as mãos.
(Solidariedade, Mário Dionísio, in Poesia Incompleta)
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Ask me now, Thelonious Monk

sábado, 3 de dezembro de 2011

Idolos desnecessários

Para quê ter ídolos cá em casa, se a Donaminha tem ao seu lado o verdadeiro, o autêntico filho de Bastet?
Mania de complicar!
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My funny Valentine, Gerry Mulligan+Chet Baker