segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

E o tempo passa...


Eu sei que está sol lá fora, Donaminha,
 mas este sol aqui é mais quentinho!



Apanho sol em casa, o meu pêlo está menos bonito,
 durmo o dia todo!


Estou velhote, Donaminha, estou velhote!

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Sweet and lovely, Thelonious Monk + John Coltrane at Carnegie Hall




segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Poema do Futuro




é tudo quanto fica, é tudo quanto resta

Conscientemente escrevo e, consciente,
medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,
deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.
Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido;
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exumado
da vala do poema.

Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.
Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra.
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(António Gedeão, Poema do Futuro)
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Valse Brillante, Op.34/1 B94, F.Chopin (V. Ashkenazy)  
 
 

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Amadeo



Amadeo Souza-Cardoso, sempre!
(Desta vez, integrado no Ciclo Delaunay, no CMA)
 
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Concerto for piano & orchestra no.2, op.21, F. Chopin
 
 



terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Os Resistentes


 
Chã de Caldeiras, Ilha do Fogo, Cabo-Verde. A natureza em toda a sua arrogância.
No meio de uma cratera com 9 quilómetros de diâmetro, à nossa volta a violência dos picos e as chaminés do vulcão, que quase ainda vemos deitar fumo.
E fica-se pequenino e insignificante perante as forças incontroláveis das entranhas da terra.



 Nem todos. As mulheres e os homens foguenses não ficam. Eles assistiram à submersão pelo fogo líquido das suas casas, dos seus animais, das suas sementeiras. As mulheres e os homens foguenses viram as suas vidas serem enterradas pela fúria do Homem Grande. Depois, com serenidade  e doçura fizeram o luto, choraram a perda, e recomeçaram.

 
 Com determinação, com coragem, com audácia, recomeçaram. Com gestos que têm tanto de insensatez como de bravura, recomeçaram: em cima da lava preta ainda morna, em cima dos telhados das suas antigas casas constroem novas casas, plantam feijão, milho, videiras. E Chã de Caldeiras renasce da lava. Renasce da força sem limites desta gente!
 

Os cabo-verdianos enfrentaram as secas trazendo chuva para cima das suas ilhas; enfrentaram a fome cultivando sobre pedras; resistiram à malária e à colonização. Não é um mero vulcão em fúria assassina que os vai fazer arredar pé!
No seu modo sereno e doce de ser, as gentes da Ilha do Fogo são uma lição de vida.

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In your own sweet way, Miles Davis