A cegonha, quem sabe se à procura de companhia para trocar algumas impressões sobre a vida e as loucuras dos homens, construiu a sua casa junto do galo do campanário, que, conforme pode, lhe vai mostrando o norte. Dão-se bem, numa exemplar coexistência pacífica.
Entrámos pela porta nobre, como se entrássemos numa máquina do tempo
Do outro lado, o silêncio medieval de uma rua de xisto, iluminada pelo último clarão crepuscular
Depois deparamos com os habitantes que, atraídos por uma luz lenta e suave, se dirigem para uma gruta no sopé do castelo. Dizem que, por lá, algo de extraordinário irá acontecer.
Alguns, distraídos, continuam os seus afazeres de sempre. Chegarão atrasados, lamentando a pequenez do tempo.
E nós, quase intrusos, deixámos este lugar de descoberta e surpresas com a certeza calma de que há muitos caminhos para saciar sedes e encontrar a serenidade.
Este meu amor pela língua portuguesa deixa-me irritada, indignada, incrédula, perplexa, enfim, siderada com este título na página desportiva do jornal da terra! Que competências são necessárias para se ser jornalista?
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This love of mine, Sonny Rollins and the Modern Jazz Quartet
-Ah, a paciência que é preciso para ficar à espera de um pássaro distraído, ou de um rato equilibrista, ou de uma lagartixa preguiçosa...
-Mas isto hoje está mesmo fraco! Será do frio? Já estou a ficar cansado, acho que vou fazer um intervalo...
- Olha, afinal há ali uma coisa a mexer! Que sorte, é uma aranha, e grande! Também serve, para distrair! E zanga-se a Donaminha por causa da L. não levar isto das limpezas muito a sério...
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Bye Bye Blackbird, Miles Davies (Bye Bye Blackbird)
Por fora é um castelo encantado. Lá dentro, o espaço próprio para que a imaginação ganhe asas e voe sem limites. Paula Rego, violenta e terna. Imprescindível. A visita à Casa das Histórias: uma festa.
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Nocturno nº20(Reminiscence), F. Chopin -MªJoão Pires
O mais jovem da família do jardim cresceu sem sobressaltos durante toda a primavera e verão.
Não nos deu frutos, era cedo. Agora, antes de recolher ao descanso de inverno, despede-se de nós numa exuberância de cores de pôr-de-sol, assim em jeito de promessa de frutos que nos oferecerá para o ano.
Entretanto, para esperarmos com mais paciência estes compassos do tempo, um vizinho atento e atencioso ofereceu-nos ontem alguns diospiros do seu jardim. Visão de futuro!
É certo que o propósito da nossa viagem era conhecer Alexandria. Mas seria ingratidão não falar nos dois dias cairotas, por aquilo que a capital egípcia nos ofereceu, a começar pela beleza serena do Nilo, que divide a cidade em várias cidades.
Em dias luminosos como o que nos calhou em sorte, do alto da Cidadela e para além do casario, consegue ver-se o perfil das pirâmides.
Houve tempo para jogar à bola com os miúdos do bairro, que tranquilamente integraram o estrangiero nas suas brincadeiras. O estrangiero agradeceu.
Depois, foi matar saudades no souk Khan El Khalili,
cair na tentação de mais uma foto no Velho Cairo,
tomar o último chá na zona sofisticada de Zamalek,
e por fim despedirmo-nos do Nilo, do Cairo, do Egipto. Até sempre!
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Almost like being in love, Sonny Rollins with The Modern Jazz Quartet
Não sei se a vi bem, à cidade. Nos corredores da minha memória levava a Alexandria ficcionada nas páginas empolgantes do Quarteto de Alexandria de Lawrence Durrell; levava ainda na minha bagagem interior as descrições apaixonadas de E.M.Forster, e a cobrir tudo, como um manto de impossibilidades, a poesia de K.Kavafis.
Por ela caminhei, por esta cidade inesperada, controversa, indecifrável. Vi nos seus edifícios os sulcos dos tempo; vi nos seus museus o passado arrebatador e inverosímil; vi nas suas ruas o frémito de todas as incertezas futuras.
Durante uma semana vivi esta cidade num misto de vertigem, ironia e lucidez. Mas não sei se a vi bem, à cidade. Sei apenas que regressei alexandrina para sempre.
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Almost like being in love, Sonny Rollins with The Modern Jazz Quartet
A Biblioteca, a antiga biblioteca de Alexandria, permanecerá sempre como o símbolo primeiro da que foi capital cultural do mundo antigo. E sinal do seu ecumenismo, como desejou Alexandre Magno. Esta, a nova Biblioteca, já não é o Museon, santuário consagrado às musas e local de todos os saberes. Ou será? É, sem dúvida, a sua continuidade. Como edifício, é o mais impressionante da cidade, erguendo-se das águas, como o astro-rei iluminando toda a cidade.
A seu lado, a Universidade.
À sua volta, jovens, muitos jovens e gentes de todo o mundo.
Lá dentro, quatro museus, duas exposições temporárias, inúmeros arquivos de saberes, e a sala de leitura. A sala de leitura imponente, magnífica, aberta a todos os que têm curiosidade intelectual.
Dois dias não chegaram para ver tudo o que queríamos ver. Mas chegou para me apaixonar.
No último dia, a caminho da saída de Alexandria, passámos pela derradeira vez junto da parede exterior da Biblioteca, gravada com todos os alfabetos antigos. E de repente, apesar do sol a pino, a paisagem enevoou-se e um silêncio embargado tomou conta de mim. Voltarei?
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Almost like being in love, Sonny Rollins with The Modern Jazz Quartet