A minha morte é melhor que a tua!
"...O longe é um lugar sem nome. Não o conhecemos. Não existe. Não nos comove. Não
mobiliza o fluxo de notícias. Fala-se durante os instantes iniciais e depois é
como se o nada constituísse o quotidiano daquela gente de quem nada sabemos.
Não sabemos como riem. Não sabemos como beijam os filhos. Não sabemos como
amam. Não sabemos como dançam. Não sabemos se dançam. Não sabemos nada dos
homens, das mulheres, das crianças do Iraque, do Iémen, do Chade, da Costa do
Marfim, do Mali, da Síria, de Kabul, de Islamabad. Não sofremos com o que não conhecemos.
Não compreendemos o que não conhecemos. Não vivemos os desgostos, a dor
daqueles que desconhecemos. A ignorância é um lugar muito distante.
Quem vive naquele longe são pessoas. Podem morrer 70, 100, 200 e não será o
mesmo que morrerem 5, 10, 20, em Paris, Londres, Bruxelas ou Washington. A
contabilidade das mortes é pornográfica. Mas não há maior pornografia moral do
que deixarmo-nos enredar naquela voraz máquina noticiosa que faz perceber como
não somos iguais. Nem na morte.
Porque a minha morte é melhor que a tua."
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(texto da autoria de Valdemar Cruz,
retirado do Expresso online de 31/03 -)
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Nocturno para piano nº20, F. Chopin (Maria João Pires)