O cão tinha um nome
Por que o chamávamos
E por que respondia.
Por que o chamávamos
E por que respondia.
Mas qual seria
O seu nome
Só o cão obscuramente sabia.
O seu nome
Só o cão obscuramente sabia.
Nos seus olhos
Mas não se via o que ele via,
De algum modo essencial
Que nos escapava
Ou se via o que de
nós passava
E não o que permanecia,
O mistério que nos esclarecia.
E não o que permanecia,
O mistério que nos esclarecia.
Dentro de nós
O cão ia.
E aí adormecia
Dum sono sem remorsos
E sem melancolia.
Dum sono sem remorsos
E sem melancolia.
Então sonhava
O sonho sólido em que existia.
E não compreendia.
O sonho sólido em que existia.
E não compreendia.
Um dia chamámos pelo
cão e ele não estava
Onde sempre estivera:
Na sua exclusiva vida.
Onde sempre estivera:
Na sua exclusiva vida.
Alguém o chamara por
outro nome,
Um absoluto nome,
De muito longe.
Um absoluto nome,
De muito longe.
E o cão partira
Ao encontro desse nome
Como chegara: só.
Ao encontro desse nome
Como chegara: só.
E a mãe enterrou-o
Sob a buganvília
Dizendo: “É a vida…”
Sob a buganvília
Dizendo: “É a vida…”
In “Nenhuma palavra
E nenhuma lembrança”,
Assírio & Alvim, 1999
.
9 comentários:
O estilo inconfundível de Manuel António Pina... Sempre muito bom.
Beijinho
É triste
Eu era filho único. E sentia-o.
Veio o cão. Dei-lhe um nome. Tarzan (o das fitas)
Continuei filho único. Mas sentia-o menos.
Viveu poucos anos.
Lembro-o como a minha primeira morte.
Nunca li muito o Pina. Aborrecia-me aquilo que nele chamam ironia e denota um certo sarcasmo, um determinado cinismo. Mas deve ser problema da minha sensibilidade. como quando me acariciavam com mãos geladas ou me lambuzavam com beijos molhados. Infantilidades bem se vê.
O Anouhar Brahem dará um concerto na Gulbenkian: Seg. 16 Abril 2018
21:00. Era para te dizer faz tempo. Imagino que entretanto já tenhas comprado bilhete.
Há cães que não deixamos morrer
Bj
Não conhecia o poema e gostei muito, tanto como gostei da peça musical.
Beijinhos.
Que belo acompanhamento para um poema tão bonito.
Lindo, com sentimentos.
Nunca morrem, noto que a Hannah ainda anda por aí.
Um grande abraço
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