domingo, 3 de dezembro de 2017

O nome do cão



O cão tinha um nome
Por que o chamávamos
E por que respondia.
 
 
Mas qual seria
O seu nome
Só o cão obscuramente sabia.
 
 
 Olhava-nos com uns olhos que havia
Nos seus olhos
Mas não se via o que ele via,
 
Nem se nos via e nos reconhecia
De algum modo essencial
Que nos escapava
 
Ou se via o que de nós passava
E não o que permanecia,
O mistério que nos esclarecia.
 
 Onde nós não alcançávamos
Dentro de nós
O cão ia.
 
E aí adormecia
Dum sono sem remorsos
E sem melancolia.
 
Então sonhava
O sonho sólido em que existia.
E não compreendia.
 
Um dia chamámos pelo cão e ele não estava
Onde sempre estivera:
Na sua exclusiva vida.
 
Alguém o chamara por outro nome,
Um absoluto nome,
De muito longe.
 
E o cão partira
Ao encontro desse nome
Como chegara: só.
 
E a mãe enterrou-o
Sob a buganvília
Dizendo: “É a vida…”
 
 Manuel António Pina,“O nome do cão”,
In “Nenhuma palavra
E nenhuma lembrança”,
Assírio & Alvim, 1999

.
Parfum de gitane, Anouhar Brahem


9 comentários:

Graça Sampaio disse...

O estilo inconfundível de Manuel António Pina... Sempre muito bom.

Beijinho

Teresa Durães disse...

É triste

cão panheiro disse...

Eu era filho único. E sentia-o.
Veio o cão. Dei-lhe um nome. Tarzan (o das fitas)
Continuei filho único. Mas sentia-o menos.
Viveu poucos anos.
Lembro-o como a minha primeira morte.







Luis Filipe Gomes disse...

Nunca li muito o Pina. Aborrecia-me aquilo que nele chamam ironia e denota um certo sarcasmo, um determinado cinismo. Mas deve ser problema da minha sensibilidade. como quando me acariciavam com mãos geladas ou me lambuzavam com beijos molhados. Infantilidades bem se vê.

Luis Filipe Gomes disse...

O Anouhar Brahem dará um concerto na Gulbenkian: Seg. 16 Abril 2018
21:00. Era para te dizer faz tempo. Imagino que entretanto já tenhas comprado bilhete.

Mar Arável disse...

Há cães que não deixamos morrer
Bj

Majo Dutra disse...

Não conhecia o poema e gostei muito, tanto como gostei da peça musical.
Beijinhos.

M. disse...

Que belo acompanhamento para um poema tão bonito.

Duarte disse...

Lindo, com sentimentos.
Nunca morrem, noto que a Hannah ainda anda por aí.
Um grande abraço