segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Poema do Futuro




é tudo quanto fica, é tudo quanto resta

Conscientemente escrevo e, consciente,
medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,
deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.
Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido;
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exumado
da vala do poema.

Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.
Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra.
.
 
(António Gedeão, Poema do Futuro)
.
Valse Brillante, Op.34/1 B94, F.Chopin (V. Ashkenazy)  
 
 

7 comentários:

Luis Filipe Gomes disse...

O Gedeão é um dos poetas que me afirmam a responsabilidade, a presença e a consciência do que é ser português. Sinto sempre o deslumbramento que tive quando pela primeira vez ouvi os seus poemas na voz forte e terna do Manuel Freire.

O Puma disse...

Venham mais cinco

Majo disse...

~~~
Ficou!

Permanece vivo e atual.

Por enquanto,

os sentimentos expressam-se do mesmo modo.

Seguramente,

o poeta enganou-se em momentos de nostalgia

- suspeito que jamais exalará cheiro de mofo...


~~~ Beijinho MJ. ~~~~~~~~~~~~~~~~~
~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~

Duarte disse...

Não o li muito, mas cativou-me com este poema.
Vou-o levar às Aulas para que o conheçam os meus alunos.
Por aqui, a maioria dos nossos, são uns desconhecidos.
Não se dedica tempo, menos dinheiro, na divulgação. Quando dei inicio às Aulas escrevi para aí, pedi, e os
únicos que deram fostes VÓS, que com o que tenho, meu, lá vou fazendo que se ouça por aqui ao nosso PORTUGAL. O único que me deram foram folhetos e propaganda de turismo.
Abraços de vida, querida amiga.

Beatriz disse...

Que lindo, Justine!
Ainda mais acompanhado de Chopin...

Um bom domingo nesta tua 'terrinha' tão bela!

Beijinhos

<°(((< Bia

Clarice disse...

Muito inspirado.
Quando perco a noção de humanidade, com tudo o que vejo e assisto(e sinto), rememoro algumas paisagens cósmicas que me colocam numa trilha de galáxias sem fim e me percebo apenas uma faísca neste drama de sentimentos.
Beijo.

Clarice disse...

Aliás, que belas fotos congelando as árvores no tempo.