sexta-feira, 2 de julho de 2010

Enquanto

Enquanto

Enquanto houver um homem caído de bruços no passeio
E um sargento que lhe volta o corpo com a ponta do pé
Para ver como é;
Enquanto o sangue gorgolejar das artérias abertas
E correr pelos interstícios das pedras,
Pressuroso e vivo como vermelhas minhocas despertas;
Enquanto as crianças de olhos lívidos e redondos como luas,
Órfãs de pais e de mães,
Andarem acossadas pelas ruas
Como matilhas de cães;
Enquanto as aves tiverem de interromper o seu canto
Com o coraçãozinho débil a saltar-lhes do peito fremente,
Num silêncio de espanto
Rasgado pelo grito da sereia estridente;
Enquanto o grande pássaro de fogo e alumínio
Cobrir o mundo com a sombra escaldante das suas asas
Amassando na mesma lama de extermínio
Os ossos dos homens e as traves das suas casas;
Enquanto tudo isso acontecer, e o mais que se não diz por ser verdade,
Enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
O poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:

ABAIXO O MISTÉRIO DA POESIA.
.
António Gedeão, Obra Poética
.
Nocturno Nº20 "Reminiscence",Chopin (MªJoão Pires)








36 comentários:

Si disse...

Nem precisava de ver o nome do autor para lhe reconhecer a pena.
António Gedeão, um dos meus poetas preferidos, cuja escrita, por mais anos que passem continua a ser, preto no branco, o real estado das coisas na nossa sociedade.

Maria disse...

Porque será que não me espanta ver este poema aqui...
Não posso dizer que Gedeão seja o meu poeta preferido, porque tenho vários. Mas é UM dos meus preferidos.

Obrigada, Justine.
Até amanhã...

Zélia Guardiano disse...

Amiga Justine
Antônio Gedeão...
Poema lindo demais!
Síntese de tudo que é preciso dizer...
Enorme abraço!

Duarte disse...

... tudo é causa efeito dum desgoverno... até as plantas se apoderam do sitio dele, assim como a desordem que dentro e fora plasma uma realidade em avanço progressivo...

Grande poema.

Sempre grande Maria João Pires.

Para ti, sempre o melhor num grande abraço

Rosa dos Ventos disse...

Belíssima escolha do poema e da imagem...

Abraço

Rosa dos Ventos disse...

Não consigo ouvir a música!

Fernando Samuel disse...

... e vivam a liberdade e a justiça conquistadas...

Um beijo.

Sara disse...

E esperemos que a voz do poeta não se silencie, independentemente do pano de fundo que escolha para a propagar.
Grande poema!
Abraço do Norte!

Licínia Quitério disse...

É um dos mais fortes poemas do Gedeão.

Abracinho.

Anónimo disse...

lindissimo

Beijos
Paula

Benó disse...

Como o mundo se encontra,creio que o poeta esreverá sempre nos muros da cidade.
Um abraço.

R. disse...

E o poeta é, como tão bem o disse o próprio, incansável...

"Dói esta corda vibrante
A corda que o barco prende
à fria argola do cais
Se uma onda que a levante
vem logo outra qua a distende.
Não tem descanso jamais".

(Este é um poema magnificamente escolhido e respectivamente "ilustrado". Parabéns!)

João Roque disse...

Grdeão, Chopin e Maria João Pires:olha que trio...

Patti disse...

Este Gedeão sabe-a toda!

Esta imagem parece mesmo de uma casa abandona em Grândola onde também já estive a fotografar. Tinha azulejos maravilhosos.

Anónimo disse...

(...)
Com aquele sentido humano
da justiça e da harmonia,
o repórter todo ufano,
ganhou o prémio do ano
da melhor fotografis.

Trovas para serem vendidas na Travessa de S. Domingos
ANTÒNIO GEDEÂO

Obrigada Justine

Há.dias.assim disse...

e quem não concorda com gedeão?

Há.dias.assim disse...

e quem não concorda com Gedeão?

al disse...

Excelente simbiose entre poema e foto.

Heduardo Kiesse disse...

poderoso poema!! são esses que nos ensinam.


os teus comentários são sempre motivo de alegria, acredita!!

acredita mesmo.

o último até me deu cá um sorriso daqueles...

beijão imenso estimada amiga!


gosto muito de ti!
tu sabes.

Sensualidades disse...

calorr quem em dera agora um dia daqueles mesmo quentes

Beijos
Paula

bettips disse...

..."eles não sabem que o sonho..."
Sabia-o o Poeta!
Bj

bettips disse...

...e acreditamos nós.

Cristina Fernandes disse...

Enquanto a poesia existir... a vida pulsa na voz do poeta.
Um abraço
Chris

Barbara disse...

Que terminem os motivos ou o alcatrão, porque na história humana, estamos em tempos de mudanças e se os poderosos já consentem, há uma nesga tímida de esperança.
Ninguém vê - mas há.

Anónimo disse...

Tive o privilégio de ser aluno de AG no Pedro Nunes.

Inesquecível.
Ninguém faltava às suas aulas.

O melhor da poesia portuguesa passa ela sua obra.

Bjs

Lilá(s) disse...

Antônio Gedeão...bem escolhido claro.
Bjs

greentea disse...

enquanto houver ao meu lado, um cão acorrentado a uivar de dor e de fome, por vezes do frio gélido das madrugadas de inverno ou quando acordo noite adentro a ouvi-lo ser espancado e encharcado com a mangueira ...(e outras tantas coisas) eu lutarei , eu gritarei , eu denunciarei


se para tanto tiver engenho e arte !!
nem Chopin nem a Maria João Pires me acalmam os animos .

tem um bom dia , justine

mdsol disse...

"Enquanto for preciso lutar até ao desespero da agonia,
O poeta escreverá com alcatrão nos muros da cidade:"

Sejamos poetas, então. Cada um ao seu modo. Desvendando os mistérios da poesia.

Beijinhos

:)))

jawaa disse...

Sempre actual.
Beijo

Sofá Amarelo disse...

Ia dizer que esta casa fica ali numa aldeia próxima de Óbidos... mas se calhar não, devem haver muitos exemplos deste tipo de 'arquitectura' por Portugal fora...

Carla disse...

que bom reler este poema neste momento
beijo neste meu regresso

Jaime Piedade Valente disse...

PENSAMENTO

Tão belas são as coisas do mundo,
em sinais e números,
em formas e matizes,
que penso podermos ser reis
coroados,
sábios,
felizes!

Robert Louis Stevenson

augusto, um entre mil disse...

escrever nas paredes só assim por causas justas. aos outros que escrevem, sujam, por tudo e por nada, pintava-os com alcatrão...

anamar disse...

Só hoje aqui passo...
Belo momento poético Justine...
Beijinho
Ana

Lídia Borges disse...

Um poema belíssimo este, carregando em si a essência da poesia.

A obra poética de António Gedeão é intransponível.

L.B.

M. disse...

Belíssimo poema.