segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Retrato

 
 
Se eu não morresse, nunca! E eternamente
Buscasse e conseguisse a perfeição das cousas!
 
in O Sentimento dum Ocidental, IV Horas Mortas,
Cesário Verde
 
(porque é o poeta que mais vezes te ouço citar...)
 
 
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Comme une absence, Anouar Brahem
 


domingo, 17 de agosto de 2014

Sons e silêncios num dia de verão

  

De repente, o silêncio perfeito. O vento que faz cair uma folha seca da nespereira. Um besouro que procura insistentemente um lugar seguro no alpendre para fazer o ninho. Uma abelha, num bzzz muito suave, vem visitar a minha perna nua. E o concerto harmonioso dos pássaros. Distingo três melodias, mas só identifico a das andorinhas, uma conversa constante e quase compreensível.
As outras, é um canto muito belo, quase assobio humano de alegria, e há ainda um chamamento persistente, urgente. Preciso de identificar estes cantos, preciso de os nomear para os sentir mais meus.
Aos meus pés, o meu gato adormecido sonha com ratos e cobras e gafanhotos.
Por um momento, um momento apenas,  perco-me no mais longínquo dos paraísos, na mais próxima das Pasárgadas...
 
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Come rain or come shine, Bill Evans Trio
 
 

sábado, 9 de agosto de 2014

Contrastes


A cinza e o sol


A pedra e a pétala


A aspereza e a seda
 
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Ain't she sweet, Benny Carter
 


domingo, 3 de agosto de 2014

Elegiazinha


ELEGIAZINHA
 
[i. m. nikita (gata da Inês)]

 
Gatos não morrem de verdade:
eles apenas se reintegram
no ronronar da eternidade.

Gatos jamais morrem de fato:
suas almas saem de fininho
atrás de alguma alma de rato.

Gatos não morrem: sua fictícia
morte não passa de uma forma
mais refinada de preguiça.

Gatos não morrem: rumo a um nível
mais alto é que eles, galho a galho,
sobem numa árvore invisível.

Gatos não morrem: mais preciso
- se somem - é dizer que foram
rasgar sofás no paraíso

e dormirão lá, depois do ônus
de sete bem vividas vidas,
seus sete merecidos sonos.

(in Parte Alguma, Nelson Ascher, Companhia das Letras)

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My funny Valentine, Gerry Mulligan Quartet