terça-feira, 27 de junho de 2017

É A DOER

 
 
É a doer, tem de ser a doer, morreram 64, ardidos, queimados, a fugir, sufocados em chaminés, encarcerados em carros sobre um talude onde até as jantes de liga leve derreteram( mas a quantas centenas de graus derrete a liga leve?), 64 até agora e provavelmente serão mais, há feridos graves e ainda andam a bater às portas a perguntar se falta alguém, 64 mortos têm de fazer isto andar, tem de ser a doer, não precisamos de chorar mas precisamos do choque, ...
...limpe as lágrimas mas abra os olhos, veja o que há, reveja o que houve, choque-se uma semana depois, muitas semanas depois, choque-se enquanto for preciso, daqui a nada já ninguém bate à porta daquela gente e os esquecidos voltam a ser esquecidos, o Estado volta a falhar ao país, aos mais pobres, aos isolados e esquecidos, porque a vida continua, os vivos continuam, mas se tudo continua como sempre continuou então 64 mortos serão a lápide arrefecida e não vamos lá, não vamos a lado nenhum, ficamos sitiados até à próxima, num até sempre para eles que é um até nunca para nós, é por isso que tem de ser a doer, a doer, a doer, para termos a dignidade de nos indignarmos, para forçar, exigir, ver fazer, ver viver, lá na tragédia que o tempo fará parecer longe, como se não tivesse sido aqui, como se não tivesse sido connosco, como se nós não fôssemos nós.
 
(excerto do artigo de Pedro Santos Guerreiro "É a Doer", primeiro caderno do Expresso de 24/06/2017, pag. 02)
 
 
(sublinhados meus)
 
(indignada, de olhos enxutos mas abertos)
 


6 comentários:

Clarice disse...

Muito, muito triste. E pensar que poderá ter sido criminoso. Agora na Espanha. Quantas famílias atingidas em todo lugar pelo fogo e pela água! Abraço

São disse...

É a doer, sim... e dói ainda mais quando se vê a baixeza de Passos

Luis Filipe Gomes disse...

Desculpa Justine mas o texto é uma patetice. Sou estóico quanto baste mas não sou masoquista e não acredito na dor como redenção do que quer que seja.
Um político malandro dizia ontem que o eucalipto e o pinheiro davam dinheiro e que o Estado não podia subsidiar os privados caso eles plantassem os carvalhos que não dão dinheiro. Esse político ajudou a fechar escolas primárias, centros de saúde etc. etc. A desertificação do interior foi o primeiro subsídio que o eucalipto recebeu. Depois quando se gasta 33 milhões de euros para comprar um avião de combate a incêndios convém dizer que esse dinheiro era suficiente para limpar os km quadrados da área integral dos concelhos que arderam, para não falar do emprego que isso podia criar. As contas são simples de fazer se se considerar 35 euros o preço da hora de trabalho de operador de moto roçadora. Isto para não falar de outros gastos como os 50 milhões de euros que um primeiro ministro que esteve preso deu do dinheiro do Estado para oferecer uma máquina de produção de papel a um industrial da celulose. Tenho um texto escrito mas não o publiquei até agora pelo desânimo que a falta de seriedade me causa pois já não acredito que seja por ignorância que se diz o que tenho ouvido.
A dor dos que pereceram e a dor dos que lhes sobreviveram para sentir a sua falta é bastante. Não é preciso causar mais dor.

Majo Dutra disse...

Foram os bombeiros que tiveram que ''arrancar'' as pessoas
de suas casas, quando tinham tanto trabalho pela frente...
A ajuda militar chegou muito tarde.
Já que aconteceu a tragédia, espero que sirva de exemplo...
Aconteceu-me testemunhar como as pessoas não obedecem às
ordens de evacuação, julgando serem capazes de dominar o
fogo... Há quem tenha morrido dentro de piscinas, cozidos
como lagostas...
Consola-me pensar que tenha servido de lição em todas os
aspetos...

Duarte disse...

Pode-se dizer muito mais, mas não con tanta contundência por eficaz.
Desde aqui fomos vendo como tudo ia sendo queimado, mesmo com ajuda internacional. Actuou-se tarde e não se evitou o evitável.
Que digam todas as mentiras que queiram, ao que ainda temos que agregar a ignorância do povo.
Numa reportagem que chegou até cá, o homem entrevistado dizia que o tio e o sobrinho foram ver o fogo, mas que espectáculo! Ficaram, lamentavelmente, assados dentro do carro.
Mas que tragedia!!!
Hoje, mais do que nunca, braços de vida.

Indignado... mas além disso disse...

Belo o texto, talvez demasiado bom, talvez excessivo embora justificado pelo que foi demais.
Exigindo mas exigindo à flor da pele. (talvez) à flor da pele queimada pela indignação. É preciso ir mais fundo. A indignação é saudável mas não cura a que causa a doença e provoca a indignação.

De qualquer modo um duro (e belo) "post". Com a enorme virtude de fazer pensar. E agir!