sábado, 30 de agosto de 2008

O Gato mágico da Casa Encantada

















Correm rumores de que a casa está encantada. E os indícios levam a crer na veracidade desses rumores.
Vejamos alguns factos: as árvores despem-se e despedem-se por alturas do equinócio outonal, e tudo indicia que não voltam, de tal modo parece irremediável a secura das folhas e a nudez dos troncos. No entanto, por actos inexplicáveis, mal o frio solstício se muda para outras paragens tornam a ressuscitar em fulgores de arco-íris.
O mesmo acontece com as andorinhas: partem tranquilamente num dia combinado entre elas, e sem nunca se enganarem no tempo ou no caminho de regresso, no ano seguinte apresentam-se pontuais, partilhando convivências e cantares.
A casa cheira assim, sempre, a maçãs e liberdade, e em algumas noites todos os quartos têm vista para o luar. E em questões de luz, os pirilampos e as estrelas ensinam continuamente que há diversas maneiras de quebrar as trevas.

Mas não é só aí que reside a estranheza. Há a questão inquietante da elasticidade da casa, que muda de forma e tamanho à medida que os amigos chegam e lá deixam ficar sorrisos, gestos, livros e projectos, sem que isso retire espaço aos habituais habitantes. Estes, por sua vez, guardam ciosamente o segredo do tempo: quando se olham ao espelho vêem-se com rugas e cabelos brancos. Mas esses sinais perturbadores são meras aparências. Porque, ao olharem-se nos olhos, vêem os rostos lisos, a frescura dos sonhos intactos, e até conseguem ouvir o coração um do outro.

Por fim há o gato. Custe embora aceitar pelos menos perspicazes e intuitivos, há fortes suspeitas que se trata ou de um nobre egípcio ou de um cavaleiro florentino disfarçado que, cansado de aventuras inconsequentes e de fúteis romances de corte, para ali foi repousar, sem contudo ter abdicado dos jogos de sedução e da essência da liberdade.

Casa, habitantes e gato, triângulo de prodígios insondáveis, onde o tempo não conta e a ternura é lei.

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(com título oferecido por amigo à laia de desafio, e lembrando "A cidade fantástica" de Ray Bradbury)

47 comentários:

mdsol disse...

Lindo, Lindo, Lindo, Lindo, Lindo, Lindo,Lindo, Lindo, Lindo, Lindo, Lindo, Lindo, Lindo, Lindo, Lindo, Lindo, Lindo, Lindo, Lindo, Lindo,...

Até parece que ainda fiquei a gostar mais de ti!

Beijos muiiiiito merecidos

:)

Anónimo disse...

E - sempre - a mesma pergunta: que posso eu dizer? Que posso eu dizer quando, na garganta, há um nó que vela a/pela palavra?
Que li o rascunho, que vi as fotos em selecção, que dei opinião... mas que tudo isso é pouco, ou mesmo nada, quando leio o publicado e me vejo/revejo, na casa onde meu pai nasceu, a ouvir o coração que é o teu, a sentir a ternura de um gato que é nosso porque nosso quer ser. Que tenho, na garganta, o tal nó, de água e sal. E sol. E chega de palavras...

João Roque disse...

É dos textos mais belos que já te vi escrever: maravilhoso.
Parabéns.
Beijinho.

Anónimo disse...

texto belíssimo...para ser lido várias vezes com gosto e prazer. meu abraço.

Unknown disse...

Quem "nos teus olhos é" quase me fez sentir o mesmo nó na garganta, de água e sal...
.
Como pequeno conto, é lindíssimo!
.
Como pedaço de vidas, é um prodígio... não sei se igualável... não sei, mesmo.
.
[Beijo para ti, em forma de triângulo, que se transformará em círculo, nessa casa... certamente.]

Anónimo disse...

Acredito mesmo que a casa esteja encantada, com o cheiro que aqui vem de liberdade.

Que raio, há quanto tempo que não vejo andorinhas e pirilampos.

samuel disse...

Era exactamente isto que "eu queria"... sabia que ia ser assim, mágico e encantado.
Obrigado!

Abreijos

Anónimo disse...

...E que tal rentabilizar, estas prosas em filhos de papel e letras, em cada dez prosas um filho, o Mundo cultural precisa de bons filhos.
Pensa nisso amiga!
Abraço

bettips disse...

O nó da garganta na casa, a caminho dum "refúgio" de paz - e figos ladeiros esperando apetrecho -
é o lembrar o "Gato Encantado e a Casa Mágica"
escoando sons em ritmo de jazz
e escritos.
(tanto que dizer alinhavado e mal!)
Bjinho

M. disse...

Fabuloso!

1/4 de Fada disse...

Fantástico. Não tenho palavras para descrever o que sinto, mas a casa é mágica e a escrita também.

Maria disse...

Belíssimo texto. Com os sentimentos todos dentro. E também eu fiquei com um nó na garganta, mas deve ser da idade...

Um beijo

mena maya disse...

Justine este teu texto, belíssimamente ilustrado, é uma comovente declaração de amor a quem nos teus olhos, é, à tua casa, ao teu gato, aos teus amigos, à natureza e à liberdade!

Esse triângulo já indestrutível porque mágico, vai, quero crer, virar constelação um dia...

Lúcia disse...

Deliciosamente comovente. E que todos os espaços brilhassem como esse. Com a alma da gentes que os habitam.
Beijinhos

Anónimo disse...

que beleza!
que paz!

também quero ser assim um dia, a ver e a cheirar o mar...

beijocassss
vovó Maria

Violeta disse...

Adoreiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!
o post está divinal. Adoro esta casa. AH! e o gato!
bjs

mariam [Maria Martins] disse...

Olá!
bemmmmm... ora aqui está um belíssimo início de nova obra... parabéns aos três (gato e doninhos) e mais à envolvente atmosfera que por aí reina...

Fiz um pequenino hiato, de dia e meio nestas férias, regressei à "base" e à net, sigo para Madrid e Saragoça, vou à EXPO (apenas 3 dias), depois Castelo branco, quando voltar em meados de Setembro, vou ler tudinho, com calma, agora vim só dar um abraço

e um sorriso :)

mariam

Duarte disse...

Há quanto tempo os não vejo, aos pirilampos.
Essas casas encantadas, cheias de encanto, são as que me agradam.
Essas pessoas também. Os boinas cinzentas são os chefes da manada, os que mais sabem. Não se cumprem anos, ganham-se experiências.
Os felinos passam a ser muito independentes quando o ambiente não lhes interessa, ao extremo de passar desapercebidos.
Tudo o que narras sobre as estações do ano foi algo que sempre me motivou. Actualmente uma planta pode florescer varias vezes ao ano, como está a passar com algumas das que tenho. Esses períodos tão marcado quase nem se notam. Aqui, pelo menos, passamos do Inverno ao Estio sem aperceber-nos da existência da Primavera e do Outono. Outono!!! O meu Outono!

Heduardo Kiesse disse...

texto - medalha de outro!!

sem dúvida!!


beijão imenso

Anónimo disse...

ray bradbury é um dos autores que a minha Humana aprecia. disse ele que há poesia em tudo, até na mente dos cientistas. só é preciso encontrar a maneira certa de semeá-la no vento...

a poesia habita a casa e os que nela vivem - e a vivem. podemos senti-la, a esvoaçar nestas palavras que aqui respiram. magia da escrita.magia da vida, mesmo quando ela nos mostra uma gaveta entreaberta, onde vislumbramos o tigre que dormita.

marradinhas amistosas - e uns ronrons calorosos para o mounty.

Teresa David disse...

Um texto espantoso de belo e a imagem da dignidade felina do companheiro de todos os dias.
Bjs
TD

Fernando Samuel disse...

Casa encantada - viva; texto encantador - belo.
Obrigado por ambos.

(Quanto às andorinhas que partem... bom, partem as que partem, não é verdade?, porque de uma sei eu que...)

Um beijo grande.

Anónimo disse...

O meu "nó" desfez-se em lágrimas que suavemente inundaram o meu rosto... Dizes tão bem o encanto desse ninho de ternura que tão bem me faz... Nem sei como consigo ficar longe tanto tempo. Só posso deixar, com muito carinho o meu obrigada a todos os mágicos desse lugar... (porque não é só o gato). E parabéns ao Samuel pelo desafio que deu lugar a mais este texto ma-ra-vi-lho-so.

Rosa dos Ventos disse...

Prosa poética pura num texto encantatório, cheio de magia e contudo bem enraízado no real!
Fiquei encantada!

Abraço

Chat Gris disse...

Tens razão, Justine: casa, donos e gatos...há lá melhor?
Um beijinho.

Tinta Azul disse...

Que bom chegar aqui, depois de tantos dias de ausência, e encontrar um texto tão bonito.
Trouxe-te um gato, o único que encontrei quieto e, portanto, fotografável, do Rio. Não pude deixar de me lembrar da Srª Baronesa, quando o vi esparramado num banco no Jardim Botânico.
As fotografias que fui tirando não estão grande coisa, pois por segurança, e conforme os primos sugeriram, nada de ostentar máquinas fotográficas. Por isso levei a pequenina e só algumas vezes usei a outra.
um dia destes o Gato Carioca fará miau prá você n' aluaflutua.
Beijos
:)

jawaa disse...

Um texto bonito, cheio de poesia, de amor partilhado, fantasia q.b. para se ser feliz quando há momentos menos bons.
Voto no nobre egípcio pelo olhar que me deita por vezes... altivo e profundo.
Beijiiiiinhos para aí.

GR disse...

O encanto da casa, a magia dos seus habitantes, o olhar enigmático do Gato, a harmonia das palavras, o equilíbrio do tempo, há em tudo isto, um encantamento mágico.
Há! eu vi e fiquei fascinada.

Justine,
O teu texto, Chopin, as fotos, enfeitiçam quem por cá passa.
Este post está sublime.

Um grande bj,

GR

Anónimo disse...

Talvez não tenha sido o acaso que me fez vir aqui parar.... Adoro gatos e textos bem escritos como este.

com senso disse...

E eis que se tem aqui um fabuloso exemplo de que se pode escrever óptima poesia sob a forma de prosa.
Estamos decerto perante uma casa, um blog, de muitos encantamentos...
Que maravilha ver que há quem escreva assim...
Parabéns!
Beijinho!

Patti disse...

Lindíssimas palavras, elásticas como o coração dessa casa encantada.

As flores que vais levar à minha cela, só podem vir do jardim que rodeia esse encanto todo.

Parabéns!

BlueVelvet disse...

Espero-te no Bluevelvet, hoje, se puderes.
Beijinhos

Sal disse...

Lindíssimo. Ao nível do que já nos habituaste.
Só não sei porquê, nunca consigo ouvir o som no teu blogue.
Tenho de resolver isto...
Beijinhos ao gato, e ao faz-de-dono.

Sal disse...

Perdão, eu disse "gato"?
Beijinhos ao Mounty...
Querem lá vêr.. tratá-lo dessa forma fria... Não é um mero gato, ah, pois não!

bjs

~pi disse...

tudo isso onde quero chegar:

lindo

terno

harmonioso...

os gatos os donos as casas

o cheiro das maçãs

( e algo essencial que

apenas

tran s

parece



~

meus instantes e momentos disse...

lindo teu blog, muito bom, de ler, de ver, de escutar.
Gostei daqui.
tenha uma bela noite.
Maurizio

goiaba disse...

Que belo texto! Claro que o gato é mágico e a casa está encantada por quem lá vive. Também senti o "nó" de que outros falam e, ao olhar o meu gato, parente próximo desse felizardo, senti-me bem. Obrigada.

JPD disse...

Olá Justine

e tanto assim é que acalentou um excelente texto.

A ilustração está perfeita, é a tua casa Nada mais a acrescentar.

Bj

greentea disse...

que maravilha de texto !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
quem me dera ser o cavaleiro florentino ...

beijinhos a ti ( e ao gato)

Fá menor disse...

Encantei-me a ler-te, com a magia que transmitis-te.
Há encantos insondáveis que conseguimos retirar de pequenos pormenores!

Beijinhos

Carla disse...

...um encanto a tua escrita e as tuas imagens
beijos

BlueVelvet disse...

Querida Justine,
que lindo texto, cheio de magia e encanto!
Casa, habitantes e um animal de estimação: uma ternura.
Mais ainda se o gato em questão for o da donaminha:))
Veludinhos azuis

Azul disse...

Começo a ter a certeza de que não vim hoje aqui por acaso, nem o que aqui encontro escrito é vão. A sintonia com este lugar é perfeita, ou de outro modo, a sintonia com o que sinto agora está escrito aqui, simplesmente! Admirável. Obrigada. Também você Justine, contribui para que eu sonhe! Obrigada! Um abraço terno para si. Até breve. Azul.

P.S. Sei que é desnecessário pedir que váo ao meu Azul, mas mesmo assim, desta vez, peço-lhe que vá para confirmar o que digo. Até lá.

' Rôh disse...

Muuuuuuuuiito bonito o texto. Parabéns viu?

Abraço.

Maria disse...

Voltei para reler esta casa encantada onde habita um gato mágico.
Continuo com um nó na garganta, por tanta ternura...

Um beijo, Justibe

Lola disse...

Justine,

Já tive uma casa dessas.

E tinha duas gatinhas.

Hoje a casa é outra e tenho mais gatos:)))

O Mounty é tão parecido com o Socks que quase os confundi. O Tigrinho poderia ser filho dele.

Escreves prodigiosamente e são insondáveis os mistérios da simplicidade.

Beijos grandes

Anónimo disse...

Gostei de te ler... gostei da fantasia versus realidade tão bem "composta".
Gostei, gostei.
E gostei deste parágrafo por razões pessoais: "Por fim há o gato. Custe embora aceitar pelos menos perspicazes e intuitivos, há fortes suspeitas que se trata ou de um nobre egípcio ou de um cavaleiro florentino disfarçado que, cansado de aventuras inconsequentes e de fúteis romances de corte, para ali foi repousar, sem contudo ter abdicado dos jogos de sedução e da essência da liberdade."

Delicioso...