quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Al-Iskanderya (Alexandria) - a real e a mítica V



Não encontrei todos. Darley há muito que se afastara para os labirintos da sua ficção; Clea já não tem o seu estúdio na Rua Fouad, mas ainda adivinhei o seu perfume no salão do Cecil, onde ela ia dançar com o pai nas noites de São Silvestre; Mountolive é apenas lembrado na placa do bar do hotel e na mente enevoada de Leila.


Mas vislumbrei a sombra de Balthazar na esquina da Rua Lepsius (que já não tem má-fama e agora se chama Sharia Sharm-el-Sheik), subindo sorrateiramente para casa de Kavafis. Continuam a encontrar-se para discutir poesia e cabala, que para eles é a mesma coisa...
(O prazer de viajar nos livros. O prazer de reinventar as páginas de L.Durrell nas ruas da cidade, que assim permanece imutável e misteriosa como todas as obras de arte)

O Deus abandona Marco António

Quando subitamente se ouve à meia-noite
um cortejo que invisível passa
com sublimes músicas e cânticos –
a tua fortuna que desiste, as tuas obras
que falharam, os planos de uma vida inteira
tornados nada -, não te vale chorar.
Como aquele de há muito preparado, corajosamente
diz-lhe adeus, à Alexandria que de ti se afasta.
Acima de tudo não te iludas, nunca digas que foi
apenas sonho, um engano, quanto ouviste:
não te agarres a tão vãs esperanças.
Como aquele de há muito preparado, corajosamente,
e como é próprio de quem, como tu, era digno de uma tal cidade,
aproxima-te firme da janela,
e escuta emocionado, mas não
com lamentos e súplicas cobardes,
escuta, derradeira alegria tua, os sons que passam,
os sublimes instrumentos do cortejo místico,
e diz adeus, adeus à Alexandria que perdeste.

K.P. Kavafis

(in 90 e mais quatro poemas, tradução de Jorge de Sena, Inova, Porto, 1970)
.
Almost like being in love, Sonny Rollins with The Modern Jazz Quartet









20 comentários:

Partilhando disse...

... à Alexandria que perdeste... e assim terminas, com o poema de Kavafis (parece-me bem mais prosa - e da muito boa - que poema, e com excelenete contribuição de Jorge de Sena). Mas eu diria que Alexandria é sempre recuperável. Nós a recuperámos. Para nós. E tu... muito mais para ti a recuperaste, como o provas nestas legendas que fazem um belo texto de registo e de recuperação do vivido em ficção que tornaste realidade, pelos lugares, pelos cheiros, pelos sons, pelas cores dos pôres do sol.
Boa viagem... não é um desejo pio, é uma comprovação vivida.

Até já

Humana disse...

um final "em grande", justine. e não me refiro apenas ao poemas mas às fotos e texto de tua autoria.(eu sabia, eu sabia que havias de o "encontrar"... :) mas foi muito bela a maneira de no-lo contares, com essa enorme sensibilidade que te caracteriza).

um abraço, um abraço. e grata pela partilha desta viagem, com tantas outras dentro.

al disse...

Mas que fascinante tour por Alexandria foi por aqui proporcionado. Obrigado.
Beijos

Nilson Barcelli disse...

As fotos e o texto que escreveste estão óptimos.
Bem finalizado pela tradução do poema do Kavafis.
Resumindo, este post ficou excelente.
Beijos.

Sensualidades disse...

fantastico, fiquei com saudades :)

obrigada pela viagem

Beijos
Paula

Pitanga Doce disse...

Dá para sentir a tua satisfação em cada passo dado, em cada descoberta ou em cada identificação. Fico feliz por ti, minha amiga.

beijos em noite de madrugada longa.

João Roque disse...

Alexandria a reunir Durrell e Kavafis.
Bravo!

Fernando Samuel disse...

Lá estavam todos: os personagens do quarteto... como se tivessem encontro marcado contigo.
Belíssimo!

Um beijo.

Anónimo disse...

justine, por acaso ficaste com o endereço de email ou contacto telefónico do ruivinho catita que está na última foto do post anterior?

marradinhas de uma felina, hoje sonhadora... (suspiros)

Rosa dos Ventos disse...

Que grande prazer ler-te a ti, Justine, evocando o "Quarteto de Alexandria" no teu Quarteto de Alaxandria!

Abraço

Lilá(s) disse...

Um texto mais que fantástico! sem esquecer as personagens principais!
Maravilhoso.
Bjs

bettips disse...

"Ítaca deu-te a bela viagem.
Sem ela não te porias a caminho"
K.P.Kavafis (não sei de onde, apontado por aqui em papeis!)

Foi um prazer encontrar(te) assim, próxima da beleza, uma vez mais: sempre perseguiremos o sonho, por ele vamos. Mesmo que e além.
Bjinho

Sara disse...

Jamais me esquecerei que foi o magnífico "Quarteto de Alexandria" e os seus inesquecíveis personagens que me aproximaram deste blogue e da sua inspirada autora. De facto, há obras que ultrapassam em muito as letras impressas e os momentos de prazer balizados pela sua leitura. Há obras que perduram.

Um abraço e um óptimo fim-de-semana!

M. disse...

Estou a adorar este teu encontro ao vivo com o livro de L.Durrell. Transparece nas tuas palavras e nas tuas fotografias o prazer enorme que essa viagem te deu.

Há.dias.assim disse...

O teu Mounty tem um bar?
Avisa-o que a empresa que escreveu o nome se esqueceu do "u"
:)

mdsol disse...

A realidade, a ficção e o teu modo de dizer. Ah poizé! O resultado é um grande prazer de quem, ficando, embarca completamente.

Beijinho

:)))

Duarte disse...

Gostei de passear contigo, lado a lado, em busca dos personagens dos livros do Quarteto de Alexandria... sim, já estão pedidos e estou desejoso de começar a lê-los...

Um excelente trabalho de pesquisa e fotográfico. Parabéns.

Abraço-te agradecido por permitir-me descobrir aspectos tão compensadores. :)))

BlueVelvet disse...

Que post maravilhoso, completo, perfeito.
As fotografias,o teu texto, o poema final e até o humor de um bar do Mounty.
Uma maravilha que dá gosto ler.
Beijinhos, Justine

GR disse...

O teu fascínio por Alexandria é contagiante.
Linda, a última foto.

Bjs,

GR

nuno leite disse...

'Atao esse Miaugajo tem um bar??! Agora eh que me tramasteis...